M&P - Com vento a favor, é hora de comprar Brasil?
- Pedro Junqueira

- 8 de dez. de 2020
- 5 min de leitura

A partir do dia da eleição do Biden houve uma inflexão no fluxo de investimentos estrangeiros na B3, os quais, repentinamente, se tornaram positivos. Desde então, estes já somam quase metade do que foi retirado anteriormente, desde o começo do ano. O Ibovespa subiu impressionantes 22% em pouco mais de um mês. Joguem aí mais uns doze por cento de valorização cambial e o Brasil equity atinge 35% de retorno neste período para o investidor estrangeiro.
Commodities, como minério de ferro, usufruem agora demanda crescente, e o Brasil reaparece neste contexto. A China, depois do dramático ano de 2020, começa a retomar seu papel de locomotiva global. A Índia, com dimensão populacional comparável à vizinha, pode começar também a ter seu peso melhor sentido pela economia mundial. Crescimento econômico no sul e sudeste da Ásia não está com cara de que vá diminuir tanto. Assim como, por ora, não parece cessar o já longo movimento estrutural da curva global de oferta, barateada em seus custos de produção por conta do trabalho disponível e recém ingresso naquela região do mundo.
Os Bancos Centrais e os governos dos países desenvolvidos continuam nos seus respectivos modos de expansão monetária e fiscal, sem sinais de intenção de mudança, dada a capacidade ociosa que permanece elevada. Maior liquidez, maior demanda, mais risco tomado e, assim, mais investimento em mercados emergentes...
Permeando este contexto, temos hoje, literalmente, o advento da vacina contra a Covid-19. A vacina representaria a cura de quase todos os males de 2020. Pelo menos parece ser baseado nisto, e mais um tanto, que os mercados de equity mundo afora já estão todos precificados. O “mais um tanto” se refere à intensa transformação tecnológica nos modus operandi e vivendi de todos durante o ano de 2020.
Descrito este pedaço do final do filme de 2020, seria pertinente perguntar: e aqui dentro no Brasil, fizemos o dever de casa durante este ano difícil e nos preparamos bem para este provável momento de retomada? O debate sobre desempenho durante a epidemia tem prós e cons. Os desempenhos do SUS e do auxilio emergencial seriam os prós. Quanto aos cons, seria uma discussão além do propósito deste artigo, embora merecesse destaque ao menos a negativa expectativa atual quanto à nossa preparação logística para a vacinação. Mas, olhando mais para o futuro, como nos preparamos durante o ano de 2020 para este momento atual de fim de ano que mostra uma recuperação da economia real?
Além dos movimentos nos mercados de ações, câmbio e commodities, com um olhar para os sinais de mercado em relação à sustentabilidade financeira do governo, é instrutivo repassar o desempenho recente no universo de títulos públicos. Depois de um movimento sinistro, de inclinação acentuada, por mais de dois meses, a curva de juros extrapolada dos mercados de títulos do governo andou desinclinando nas últimas duas semanas, recuperando quase metade do movimento anterior. A Selic, ponto inicial da curva, permaneceu inalterada todo este tempo. Mas expectativas de inflação, em que pese todas as variações de tipo de medição para este conceito, se deterioraram incrementalmente ao longo deste período.
A impressão que se tem é a de que o mercado, inicialmente, desde agosto, vinha demonstrando todo o seu ceticismo com o quadro fiscal no Brasil. Depois, pensando melhor, sob o efeito das expectativas de retomada de crescimento econômico e de ascensão dos outros tipos de ativos no país, re-precifica. Como se talvez dissesse, e seria a milionésima vez: ahh!, se o Brasil fizesse o mínimo de seu dever de casa, seria a joia rara dos investidores, e de seus cidadãos...
Mas o tempo vai passando e as oportunidades vão sendo perdidas. O país vai ficando para trás, mas sempre parece ainda existir uma chance a mais, de um patamar a menos. Por pelo menos uma dúzia de anos, desde 1994, o país, de fato, galgou o desenvolvimento institucional. Este desenvolvimento, por sua vez, foi multiplicador, em avanços micro setoriais. Mas o desenvolvimento institucional, quando se trata de tentar melhorar a qualidade do gasto estatal, para não dizer o seu tamanho consolidado, não se sucede. Nosso modus operandi político inviabiliza.
Por isto é que sobre a última década não se pode falar em avanço institucional claro, que tivesse nos colocado indubitavelmente em patamar consolidado mais elevado. Salvo algumas poucas reformas de natureza micro, o que houve foi mais ruído político e judiciário, sabotagem de iniciativas heróicas, e um estado que continuou a crescer, a se endividar, mas gastando muito mal. No final deste período, finalmente, ocorreram reformas mínimas, que gestavam e pressionavam já há muito tempo. Mas o estado continua gastando, e arrecadando, mal, inviabilizando um futuro melhor. O Brasil precisaria de muito mais, e sempre pela mão dos políticos.
Há aqueles que dizem que, de um jeito ou do outro, o estado precisa ter a flexibilidade de poder investir. Há aqueles que dizem que não, que a esta altura é melhor não abrir ainda mais a torneira estatal, com todos os seus vícios, e ao invés disto deveríamos focar nas reformas estruturais e deixar o mercado privado para liderar os investimentos necessários. O paradoxo é que se conseguíssemos fazer bem como os últimos, conseguiríamos até fazer bem como os primeiros. O que, por sua vez, conduz a uma conclusão cética em relação a conseguirmos fazer bem de um jeito ou do outro.
Perante o eterno dilema brasileiro de ciência politica, vale a pena uma provocativa reflexão sobre motivações, trazendo uma comparação junto ao país que mais se fortalece economicamente. A China não é modelo político que se cheire. Mas saibamos reconhecer e aprender onde há um trunfo: o profissional de estado chinês parece pensar, ou pelo menos agir, em primeiro lugar, pelo seu país. Lá, um colegiado que decidisse e realizasse investimentos estatais que não estivessem contabilmente limitados pelo resto do orçamento não representaria uma ideia necessariamente irrealista. Lá, elevar a qualidade da educação de matemática, mandarim e inglês nas escolas, ou solucionar uma condição trágica onde 50% das crianças do país estivessem sem rede de esgoto, parecem objetivos prioritários e factíveis para o profissional de estado daquele país, custe o que for em termos de comprometimento e esforço. De alguma forma há o alinhamento real entre o profissional de estado chinês e o desenvolvimento de seu país.
E aqui no Brasil? Como é o comprometimento com o país do nosso profissional de estado? É, em primeiro lugar, com a educação de qualidade de português e matemática e com a implementação do saneamento básico ainda inexistente de nossas crianças? Viver na democracia é muito melhor, e fundamental. Mas por aqui a democracia tem sido por demais injusta e ineficiente. A democracia, como dizia Winston, é o menos pior dos sistemas políticos, mas o fato é de que no Brasil nossa democracia produz muitos profissionais de estado que ficam aquém de seus similares na ditadura chinesa. Sem desenvolvimento institucional isto permanece, porque serão sempre os incentivos os fatores determinantes. E os incentivos, por aqui, permanecem inalterados por quem pode, e deveria, alterá-los, que são justamente muitos dos usufrutuários do status quo, os políticos. Infelizmente, eleições no Brasil nunca abalam este cerrado abraço corporativo.
Mas retornando à nossa realidade de fim de ano em 2020, a vagareza com que andamos em relação a reformas, efetivas, administrativa e tributária, neste momento crucial, é o sinal relevante para uma avaliação de longo prazo. Porém, o Brasil, estando tão barato, com tanta capacidade ociosa, desenvolvendo como pode o seu mercado de capitais e sua (in)segurança jurídica, absorvendo e implementando, ao seu passo, a soberana tecnologia, e produzindo e vendendo sua vasta bandeja de commodities, será, com alguma frequência, um mercado de oportunidades de investimento, nem que sejam, em muitos casos, oportunidades de tiro curto.
E diversifique, sempre!
Mais do que isto, de um jeito ou do outro, tem que passar antes por Brasília.




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