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TGS - Like A Rolling Stone

  • Foto do escritor: Pedro Junqueira
    Pedro Junqueira
  • 12 de dez. de 2020
  • 6 min de leitura

Atualizado: 1 de jan. de 2021


Em junho de 1965, no Studio A da Columbia Records em Nova Iorque, 52 com 7a avenida, durante dois dias de tentativa, o rock se transformou, e sua melhor música de todos os tempos foi produzida.


Na gravação o processo se deu, caoticamente, por tentativa e erro. Sem partitura, o conjunto todo elétrico, com um guitarrista fera de blues de Chicago, e um outro guitarrista que acabou assumindo o órgão, a contragosto do produtor, a banda demorou múltiplas repetições para alcançar o final do primeiro verso.


No final do segundo dia de gravações, já com vinte rodadas, uma versão foi escolhida, e masterizada. Se tornou simplesmente o melhor pedaço de rock&roll já criado. Seu autor não conseguiu chegar perto em uma versão ao vivo, segundo contam. Outros, gente pequena do rock, como Hendrix e os Stones, cantaram suas versões da música. Suas tentativas ficaram ainda mais aquém.


Logo antes, Dylan, durante alguns meses, havia acumulado umas dez, ou vinte páginas de pedaços de uma letra. Ele afirmou que escrevia movido a raiva. Foi limpando, se desvencilhando. No começo um refrão nem aparecia. Depois, somente uma vez no final da letra. Até que, finalmente, quatro blocos, cada um com verso, uma ponte e refrão, se tornaram o tratamento definitivo.


A música gravada durava sete minutos e a Columbia Records quis abortar. Repassaram um disco de acetato para um clube noturno em Nova Iorque. Aí tocaram a música naquela noite até destruir o disco. O sucesso foi tanto que, no dia seguinte, DJs e empresários da noite telefonaram e atormentaram a Columbia exigindo outro disco com a gravação. A Columbia Records então lançou a música em um single, e depois a mesma entrou no álbum Highway 61 Revisited.


Like A Rolling Stone (LARS) atingiu o número 2 no Billboard, atrás somente de Help, dos meninos de Liverpool, que, àquela altura, já em 1965, ainda estavam no jardim de infância do rock. LARS se tornaria logo, por unanimidade, até hoje, a melhor de todos os tempos.


E não é?


Com LARS o rock se tornou intelectualmente respeitado. Dylan já vinha à toda, mas era um músico folk, um gênero de tradição poderosa nos EUA. Já tinha produzido algumas de suas melhores letras e músicas, como A Hard Rain’s A-Gonna Fall, mas era um urban hillbilly, como disse Joan Baez. Ela o protegeu e o ajudou muito no começo, quando o trovador do interior de Minnesota chegou no Village. A música de Dylan, em pleno 1965 nos States, caminhava para o protesto político. E, caracteristicamente, acima de tudo, era acústica.


Um mês depois da gravação na Columbia Records Dylan se apresentou, pela última vez, no festival folk de Newport. E era pela primeira vez uma apresentação pública de LARS, com a banda, toda elétrica. Apesar da tecnologia adotada, subdued, a música pareceu soar muito menos que vale, mesmo descontando o efeito hoje do vídeo antigo. Dylan ainda parecia mais o músico folk, mas a alma rock da música foi incontestável. Entre aplausos, muitos vaiaram. Dylan, o traidor. No ano seguinte, no Albert Hall, em Londres, já com muito mais pose, atitude e audácia, em incidente conhecido, Dylan foi xingado de Judas por um provocador na plateia. Ele se virou para a banda e comandou: Let’s play f... loud!


Desde então Dylan cantou LARS em público mais duas mil e muitas vezes. Dos Beatles aos Stones, de Zappa a Bono, todo mundo condecorou a primazia de LARS. Naquele momento, quando foi lançada, a música foi seminal. Sendo de Dylan, o protagonismo é da letra. Mas a simplicidade da melodia e da harmonia, simbioticamente, permite a qualidade do conjunto. E a forma e características do vocal de Dylan, implacavelmente arrematam.


O rock se tornando respeitável intelectualmente se mostrou motivo de enorme orgulho para os seus praticantes e amantes. Os americanos se gabaram de alguém para fazer frente às nascentes bandas inglesas, que se apoderavam justamente do blues. LARS fez também o vocal de um rock, em seu novo protagonismo, se tornar todo inteligível, discernível, o que não acontecia antes. E a letra deixou para trás o limitado protesto de uma causa e abraçou os sentimentos, a alma e o existencial. Tudo entregue com sarcasmo, mágoa, petulância e uma ponta sútil de espírito de redenção.


Tem que escutar, bem escutado. E tem que entender a letra completa, bem entendida.


Do verso até o refrão, passando pela ponte, Dylan alterna sua posição na melodia. Harmonia e ritmo também se invertem ao longo do caminho. “Didn’t you?” e “Kidding you”, em golpe final do verso, têm toda petulância vingativa no timbre cortante do legítmo jovem rock&roller. Vêm então as linhas curtas e as vogais alongadas. Se aproxima o refrão, a epifania... Mas antes, a intensificação derradeira, como se puxando a rédea até a mula parar, “make a deeeeal...!”. E o êxtase no refrão termina o bloco, Dylan no comando, intimando uma mágoa dilacerante, “how does it feel, how does it feel????”


A música segue, nos tomando, e quatro blocos depois, somente no finalzinho, talvez uma intenção, muito sutil, de ajudar. Se sem nada e invisível aos outros, sem nada a perder e sem segredos para esconder. E o refrão final.


Muito se especulou sobre a Miss Lonely. Edie Sedgwick, a estrela de Warhol e da The Factory, Marianne Faithfull, futura-Jagger, a própria Joan Baez. Cada uma com algo na sua história e no seu perfil pessoais que pudesse candidatá-las à resolução do mistério. Que nada, a letra e a música não se sustentariam em uma só pessoa. A música pode ser muito bem cantada e sentida até para aquele que só tem o espelho em frente de si. O outro está do outro lado do espelho. E talvez tenha sido isto mesmo. Dylan escreveu e canta LARS para si mesmo.


Um quarto de século depois da gravação de LARS, em 1990, Dylan esteve no Brasil pela primeira vez. Se apresentou em São Paulo e, de ônibus, com seu grupo, veio pela Rio-Santos pro Rio. Se instalaram no Rio Palace e Dylan foi perambular a pé à noite, como dizem que gosta. Entrou no Bolero, na Atlântica. Ali ocorreu, ou começou ocorrer, uma história envolvendo pagodeiros, Katherine, o parque Itatiaia, a praia paradisíaca Lopes Mendes, na Ilha Grande, e uma jam session em um estúdio na São Clemente. Quem sabe bem a respeito é o Eduardo Bueno (Peninha), nosso maior especialista em Dylan, e Artur Muhlenberg, um rubro-negro convicto (ver YouTube e Twitter).


Esta semana, saindo do Arab, na Atlântica, me vi em uma rápida conversa com um residente de um prédio vizinho. Fortuitamente, na conversa, ele mencionou o Bolero, que já não existe faz tempo, mas era exatamente ao lado de onde conversávamos. Chegando em casa o Spotify me prega uma peça. Do nada, Like A Rolling Stone, em todo o seu esplendor. Fui fisgado. Obsessivamente fisgado. LARS te empurra por um corredor de curvas, como em um filme do Scorsese, e você vai se aproximando de algum grande salão onde acontece uma festa espetacular...


E, então, assim, resolvi pela minha modesta homenagem a esta obra maior, através deste artigo.


Dylan vai fazer 80 anos. Naquele meio de década dos anos 60 ele teve seus anos mais prolíficos como músico. Intensamente prolíficos. Virou a mesa, expandiu seu interesse e elevou o rock. O futuro Nobel Prizer foi criando letras geniais que compunham músicas de ambição bíblica. O casamento, a separação, e a mulher em toda sua beleza e contradição. No final dos anos 70 se converteu ao cristianismo. É a sua fase Silas Malafaia, como diria o Peninha. Mas daí foi criado Jokerman, música esta que se conhece melhor no Brasil, pois foi corajosa e competentemente cantada pelo nosso bardo baiano.


Até hoje, agora do alto de uma sabedoria de uma longa vida vivida, as criações continuam, mais amplas, panorâmicas, como as recentes I Contain Multitudes e os 17 minutos de Murder Most Foul, em cima do significado do assassinato do JFK, um dos maiores divisores de água no século passado, bem nos anos 60, como não poderia deixar de ser.


Dylan avançando no arco de sua existência nos suscita a indagação do que sobrou e do que vem por aí. Neste mundo online, dominado pela inteligência científica e tecnológica, cheio de ideologia barulhenta e rasa, o trovador que não sabe bem onde clicar “enter” e que gostaria de ser um professor de história, é desconhecido da galera que gosta dos DJs. Individualista, não no sentido de egoísmo, mas de independência e de auto-preservação existencial, de não se deixar ser considerado pelos outros contra ou a favor de qualquer coisa, Dylan não faz parte de nenhuma tribo, de nenhum padrão.


Next, para onde caminha, então, as humanidades?


How does It feel?


Like A Rolling Stone


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